A amizade na era das aparências



As palavras têm poder curativo. Não se trata apenas de pôr para fora o que lhe machuca e sim de saber-se ouvido, compreendido. Há uma crença de que não se deve falar do que sente e de que ser autêntico quanto a isso é sinal de fraqueza. Assim desaparecem bons diálogos que poderiam ajudar alguém, desaparece a reciprocidade, a empatia. Nascem monólogos internos, uma vida de aparências e grandes abismos entre as pessoas.

Quantas fotos você tirou ano passado rodeado(a) de pessoas? Dessas, quantas precisaram de um ombro em algum momento que não fosse um velório? Então, quantas você apoiou? E quantas estiveram ao seu lado quando você precisava simplesmente conversar após um dia ruim? Poucas ou nenhuma, certo? Nos acostumamos a ser e ter amizades vazias. Sabemos das alegrias alheias, suas conquistas, viagens, festas, mas não de seus anseios ou do que as faz sangrar, nem porquê. Nos fazemos de invisíveis nessas horas, não queremos ouvir e não teremos nada a dizer. Se o outro tiver um dia cinzento e precisar conversar será um "chato", "vamos mudar de assunto, falar de coisas boas".

Segundo Santo Tomás de Aquino, “a amizade diminui a dor e a tristeza” e "qualquer amigo verdadeiro quer para seu amigo: 1) que exista e viva; 2) todos os bens; 3) fazer-lhe o bem; 4) deleitar-se com sua convivência; e 5) finalmente compartilhar com ele suas alegrias e tristezas, vivendo com ele um só coração”. Na prática, a maioria de nós vive escancarando as alegrias, mas jamais dividindo as tristezas, como se o que está além da superfície e da aparência divertida da vida (nossa e do outro) não interessasse. E também como se nós mesmos fôssemos autossuficientes, empurramos para baixo do tapete qualquer lembrete de que todo mundo tem sofrimentos, de que ninguém é uma ilha e de que é possível fazer a diferença na vida uns dos outros sem nem muito esforço.

Vivemos o "boom" tecnológico e a democratização da informação, mas nos faltam coisas essenciais, gratuitas. Falta interesse no próximo, palavras de apoio espontâneas, mãos estendidas, ouvido e coração abertos. Falta empatia, capacidade de se pôr no lugar do outro para tentar compreender, amor e caridade. Falta transparência, atenciosidade, doação e profundidade.
 
Confesso que nunca fui muito o perfil que camufla o que sente, não via necessidade de me esconder sob um casco de frieza como se fosse uma máquina, mas nos últimos anos tenho me policiado cada vez mais para não fazer as vezes da "chata" que precisa conversar e ouvir uma opinião sobre uma coisa ou outra. Como cedo ou tarde o corpo fala por nós, - basta observar o número alto de pessoas com doenças psicossomáticas ao redor do mundo - é claro que já venho sentindo os efeitos disso! Talvez por isso decidi escrever. E tentar ser melhor para com as pessoas que me procurarem, não desviar o assunto, nem resumir minhas palavras a "sei como é", "faz parte" ou "isso passa". Um detalhe simples assim importa e faz diferença. Façamos melhor a nossa parte.